Nos últimos cinco anos, a Cooperativa dos Agricultores do Vale do Amanhecer (Coopavam), localizada na região noroeste de Mato Grosso, tornou-se exemplo para o Brasil na exploração de recursos florestais não madeireiros. Com a participação de 500 famílias, a cooperativa investiu na união de esforços em torno de seus projetos e, com o apoio de parceiros institucionais como a Petrobras, por meio do projeto Poço de Carbono Juruena, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e a Natura, passou a explorar comercialmente a castanheira, uma das árvores mais altas da floresta amazônica, muito valorizada como madeira de qualidade e pelo produto para alimentação, de alto valor nutricional: a castanha-do-brasil, também conhecida por castanha-do-pará.
Com os investimentos aplicados em inovação no processo de fabricação de macarrão, farinha, biscoito, azeite, amêndoas e barras de cereais derivados da castanha, a instituição pretende ir muito longe. São muitas as vantagens do trabalho da cooperativa, a começar pela preservação da floresta com geração de renda. A união entre índios e extrativistas e, principalmente, a inserção da mulher no sistema produtivo fazem dela um sucesso. “A Associação de Mulheres Cantinho da Amazônia (AMCA), uma de nossas parceiras, tornou-se fundamental para integrar os processos e criar novos produtos”, diz Irineu Bach, presidente da Coopavam, entidade com 48 associados. Segundo ele, a parceria com os índios também tem sido importante.
Na avaliação de Leonilda Grassi Buss, presidente da AMCA, o trabalho tocado entre a associação e a cooperativa gerou conquistas inestimáveis para as mulheres. “Trata-se de uma parceria que abriu espaço para nós no sistema produtivo e, sobretudo, gerou autoestima e possibilitou a eliminação de preconceitos”, observa Leonilda, representante de um grupo de 127 mulheres que integram a AMCA.
A partir de 2008, quando foram criadas a Coopavam e a AMCA, os trabalhadores passaram a coletar a castanha dentro da reserva legal do Assentamento Vale do Amanhecer. No começo era um grupo pequeno de homens e mulheres, a maioria oriunda do Sul em busca de novos horizontes nas terras de Mato Grosso. Mas, desde o início, eles optaram pela adoção da economia solidária. Primeiro apresentaram proposta de parceria com as etnias indígenas da região. Entenderam também que era necessário isolar os atravessadores. Porque estes pagavam pouco, entre R$ 0,50 a R$ 0,80 por quilo, exploravam os indígenas e ajudavam madeireiros na derrubada de árvores.
Os problemas gerados pela exploração de preços resultaram em outras questões, sintetizadas pelo líder indígena e presidente da Associação Passapkareej, Daiet Kaban, da tribo Cinta Larga, da aldeia Flor da Selva, em Aripuanã (MT), em depoimento gravado para a Coopavam: “Antes da parceria com a cooperativa, a gente vendia a castanha para atravessadores por sessenta centavos o quilo, e acontecia de o atravessador levar e não pagar os índios; agora, vendemos o produto a três reais para a Coopavam”.
TONELADAS Dados da cooperativa indicam que o povo indígena Cinta Larga comercializou, no primeiro ano da parceria, um total de 25 toneladas de castanhas, e 40 toneladas na safra 2012/2013. Num caso específico, Isaac Cinta Larga colheu cerca de 30 latas de castanhas/ dia e somou mais de R$ 8 mil no período da safra. Mesmo assim, entre os valores de R$ 0,50 e R$ 0,80 pagos pelos atravessadores, passaram-se três anos para que o preço alcançasse o valor de R$ 1,50/quilo. Feitas as contas, foi possível pagar R$ 1,20 por quilo e depois R$ 2,20 já em 2011. Nesse período, cinco etnias de indígenas participaram do negócio: Kaiaby, Cinta Larga, Munduruku, Suruí e Apiaká. O grupo firmou projeto nesse sentido junto ao Fundo Amazônia, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
A parceria ganhou mais impulso graças a decisão do governo de Mato Grosso, que, em 2012, concedeu benefícios fi scais, isentando totalmente o ICMS para a comercialização de amêndoas, farinhas e óleos derivados da castanha. Assim, o preço da castanha, para os coletores na floresta, subiu para R$ 3 quilo. Esses benefícios favoreceram o interesse pela coleta e atraíram cerca de 1.500 pessoas, entre indígenas e agricultores locais. Todo esse processo viabilizou a plantação de castanhais em sistemas agrofl orestais, projeto socioambiental patrocinado pela Petrobras. “Quando se fala em conservar as fl orestas, é preciso também falar em geração de renda”, comenta Lucinéia Machado, coordenadora do recém-criado Projeto Cultivação da AMCA, também patrocinado pela Petrobras, o qual, entre outros pontos, prevê a inclusão digital das comunidades envolvidas na produção. Tudo isso visando a capacitação e melhoria da gestão do negócio.
INVESTIMENTOS Com a economia proporcionada pela redução de 17% do ICMS, foi possível investir mais no processo de coleta de castanhas nas florestas e aumentar a produção. O processo de industrialização está na dependência de documentação entregue na Conab, que, ao ser liberada, trará recursos no montante de R$ 599 mil para cada instituição – a Coopavam e a AMCA. Assim, juntas, poderão investir R$ 1,2 milhão em novas frentes de trabalho. Uma delas será a produção de alimentos destinados à merenda escolar dos filhos dos cooperados. “Os estudantes vão se alimentar de produtos resultantes de colheitas feitas pelos próprios pais, na forma industrializada”, observou Lucinéia Machado.
A associação de mulheres entra com a mão de obra, em conjunto com a Cooperativa do Vale do Amanhecer, que recebe incentivos fiscais. O trabalho resultará no atendimento de mais de 38 mil pessoas que vivem em situação de insegurança alimentar na região de Mato Grosso. Os produtos serão entregues pela Conab em pastorais, associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apaes), hospitais e casas de apoio a idosos, gestantes e crianças abandonadas, em oito municípios. Trata-se de uma ação que não oferece lucro final para a AMCA e para a Coopavam, mas tem como objetivo a geração de renda com a economia solidária para os extrativistas e agricultores familiares.
O presidente da Coopavam, Irineu Bach, lembra que tudo começou com o apoio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Ele conta que esse trabalho tem sido desenvolvido nos últimos 20 anos. De lá para cá foram muitas conquistas. Em 2013, a Coopavam vendeu menos (90t) e estocou mais (50t). Distante da meta e da capacidade de produção, variando de 180 a 200 toneladas/ano, a instituição buscou novos mercados. Em São Paulo e junto à Natura, que em 2012 adquiriu 20 mil quilos de óleo de castanha do Brasil, garantiu a entrega de 3,5 mil a 4 mil quilos em 2014. Outras cinco empresas, em São Paulo e no Paraná, negociaram encomendas para 2014. Agora, a associação e a cooperativa preparam-se para dar um novo salto. Elas querem colocar todos os seus produtos nas 11 cidades-sede da Copa do Mundo, em 2014 no Brasil. Por tudo isso, a Coopavam foi uma das vencedoras do Prêmio Objetivos do Milênio (ODM), edição de 2012, o qual incentiva ações, programas e projetos que contribuem efetivamente para o cumprimento das oito metas estabelecidas pela ONU. O prêmio é uma iniciativa do governo federal com apoio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e do Movimento Nacional pela Cidadania e Solidariedade.